31.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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Um dos sectores que gera mais preocupação em relação à Covid-19 é a escola. Lembro-me de, quando tudo começou, muita tinta ter corrido sobre a importância de encerrar as escolas, como forma de limitar o contágio, e de, de facto, essa medida ter sido tomada, no primeiro estado de emergência [ver fonte].
Mas vamos aos factos: as crianças em idade escolar não são um grupo de risco. Os adolescentes já têm idade para saber usar máscara e manter o distanciamento social — além de que também não são um grupo de risco. Os professores e restante pessoal também não são grupo de risco, regra geral, embora possam sê-lo, em determinadas circunstâncias (isto é, se forem doentes crónicos, ou forem mais velhos), mas isso são situações que têm de ser tratadas individualmente. Ou seja, as escolas não são ambientes, por si só, de risco mais elevado do que qualquer outro local de trabalho.
Por outro lado, encerrar escolas tem múltiplas consequências nocivas. A mais básica de todas é a repercussão nos pais e nas famílias. Se não há escola, alguém tem de ficar com as crianças, sobretudo as mais pequenas, em casa, durante o dia. Se for o pai ou a mãe, é uma baixa no local de trabalho. Se forem os avós, é pior a emenda que o soneto, pois, aí sim, estamos a aumentar o risco para alguém que pertence a um grupo de risco, pelo factor da idade. Mas também tem consequências nocivas para a própria criança, porque confiná-la em casa tem tão graves ou ainda maiores consequências para a sua saúde mental, do que confinar um adulto. Prejudica a sua aprendizagem, porque o ensino à distância não permite explorar da mesma forma as matérias que são ensinadas, nem acompanhar de forma tão próxima as dúvidas e as dificuldades de cada aluno. E contribui para agravar as desigualdades, já que oestatuto socioeconómico pode ditar o acesso a um computador, à internet, a aulas de apoio, enfim, retira à escola a sua funçãode promotora da igualdade deoportunidades.
Então, se o custo social de encerrar uma escola apenas permite um ganho marginal em termos desaúde, a decisão, desde o início deste ano lectivo, foi de não encerrar escolas, a não ser como medida extrema e em caso de extrema necessidade.
Portanto, que medidas se tomam, em termos desaúde pública, em relação às escolas? As mesmas que se tomam em relação ao resto — e chegam perfeitamente.
Como a prevenção é a melhor arma que temos contra a Covid-19, prevenimos também nas escolas. Cada escola preparou o ano lectivo e executou o primeiro período à luz dum plano de contingência elaborado com o apoio das autoridades desaúde, de modo a garantir que o risco de contágio era mínimo — e assim aconteceu: os casos de Covid-19 associados às escolas são uma proporção mínima da totalidade de casos notificados. Para o segundo período, a estratégia será a mesma. Resta a todos os envolvidos seguirem à risca as recomendações.
Quando surge um caso numa escola, faz-se entãoo inquérito epidemiológico, exactamente nos mesmos moldes em que se faz no resto das situações: identificam-se as pessoas que estiveram expostas ao doente em situações de alto risco e isolam-se. Podem ser alunos, professores ou pessoal não docente; muitas vezes, isola-se uma turma inteira.
Note-se ainda que, tal como eu também já disse aqui [visitar], os pais dos alunos que ficam de quarentena por terem um colega com Covid-19 não são contactos directos do doente e não precisam de ficar eles mesmos em quarentena. Podem é precisar de ficar em casa para tomar conta dos filhos que estão em quarentena, se estes forem pequenos, mas isso trata-se através da Segurança Social, mediante a apresentação da declaraçãode isolamento profilático do filho.
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30.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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No início deOutubro, eu disse, numa entrevista que dei [visitar], o seguinte:
Sempre esta mensagem: a importância de protegermos a nós e aos outros, porque, sem isso, vamos ser muito claros: não há autoridade desaúde que possa salvar a situação.
O número de casos, daí para cá, cresceu bastante, mas a mensagem continua exactamente a mesma — e eu também disse, na altura, que [visitar]:
Não é a acção repressiva das autoridades desaúde que vai resolver o problema; é a acção responsável, individual, de cada um que vai resolver o problema.
A obrigação das autoridades desaúde é, antes de mais, informar. Explicar como se transmite a Covid-19, o que é uma gotícula e o que é uma superfície [visitar]. A importância de explicar isto é fácil de perceber: há um número limite de situações que podem ser equacionadas pelas autoridades desaúde. É possível emitir recomendações específicas sobre precauções a tomar em portos e aeroportos, empresas, hotéis, lares de idosos, locais de atendimento ao público, serviços prisionais, hospitais e maternidades, consultórios dentários, clínicas de hemodiálise, escolas, centros de estudos e creches, transportes públicos, igrejas, espaços culturais, ginásios, estaleiros deobras — e a DGS tem orientações específicas para cada um destes contextos que acabei de elencar. Mas é impossível prever todas as circunstâncias individuais com que cada pessoa se vê confrontada no seu dia-a-dia. Portanto, a melhor forma que temos para combater a transmissão da doença é dar a cada um o conhecimento necessário para, com base nesse conhecimento, fazer as escolhas correctas em cada situação com que se depare no seu dia-a-dia.
Por outro lado, a Covid-19 está connosco há um ano, se contarmos a partir da data em que foram relatados os primeiros casos na China, e há oito meses em Portugal. Mesmo com a vacina, vai continuar connosco por largos meses, ainda. É realista assumir que as autoridades desaúde, o Governo, as câmaras municipais, as autoridades policiais vão conseguir manter toda a gente sob vigilância apertada durante mais dum ano? Prender cada pessoa que saia de casa sem máscara? Multar cada pessoa que a deixe escorregar para baixo do nariz em público? Transformar Portugal num Estado policial? Não me parece, até porque o poder repressivo tem limites, mesmo num estado policial. Se assim não fosse, nunca teria havido um 25 de Abril, porque oEstado Novo o teria reprimido mesmo antes de acontecer, quando ainda não passava duma conspiração… Portanto, já que não é possível pôr um polícia atrás de cada pessoa, por maioria de razãoo papel pedagógico das autoridades desaúde tem de ser predominante.
E, mesmo que fosse possível fechar toda a gente em casa, ou controlar todas as acções de cada pessoa, numa distopia orwelliana, seria desejável fazê-lo na prática? Eu também já alertei aqui [visitar] para os riscos de nos focarmos demasiado na crise sanitária e esquecermos que pessoas fechadas em casa geram desemprego e miséria, a ocorrência ou o agravamento doutras doenças e problemas do foro mental. Portanto, temos de levar uma vida tão normal quanto possível e, para isso, precisamos de saber exactamente que comportamentos adoptar para evitar o perigo.
É por isso que é tão importante que cada entidade, pública ou privada, independentemente da sua missão, tenha um plano de contingência; e é também por isso que é tão importante explicarmos, as vezes que for preciso, o que é uma gotícula e o que é uma superfície.
Fora isso, as autoridades desaúde também identificam os focos de contágio, através da realizaçãode inquéritos epidemiológicos aos casos que vão surgindo; e o que esses dados nos dizem é que o que está a falhar é, principalmente, essa acção individual de cada um no combate ao contágio. Pelo visto, a informação ainda não chegou a toda a população, ou chegou mas não foi em dose suficiente e na forma adequada para fazer alterar comportamentos.
Duma forma ou doutra, a prevenção continua a ser a melhor arma que temos contra a Covid-19. Usemo-la. Porque, se não prevenirmos, repito o que disse no início deOutubro: se cada pessoa não se precaver no seu dia-a-dia, não há delegadodesaúde que nos salve.
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29.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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A Covid-19 é uma pandemia. Foi assim declarada pela Organização Mundial da Saúde no dia 11 de Março [ver fonte].
Mas, de vez em quando, fala-se de surto; e, embora menos, de epidemia. Portanto, para que não haja dúvidas, vamos hoje explicar quando é que se pode considerar que estamos perante um surto, uma epidemiae uma pandemiae, se o que está acontecer é uma pandemia, como podemos dizer que estamos perante um surto da mesma pandemia. E, já agora, vamos falar de endemia, porque é aí que tudo começa.
As doenças existem. Nós gostaríamos de que assim não fosse, mas a verdade é que, onde há populações humanas, há doenças, em maior ou menor quantidade. O número de casos duma determinada doença que existe habitualmente numa dada população ou comunidade é o nível endémico dessa doença.
Na ausência de qualquer intervenção capaz de reduzir a quantidade de doentes — intervenção essa que pode ser a melhoria das condições de higiene, a vacinação, a quarentena, o tratamento com antibióticos, etc. —, se não houver qualquer acção para combater a doença e se a doença não atingir a população toda, ou não conferir imunidade permanente, a doença pode continuar a existir neste nível endémico indefinidamente. Portanto, sabemos que, mês após mês, ano após ano, haverá um certo número de casos daquela doença naquela população.
Isto traz-nos ao conceito de epidemia. Se o número de casos duma dada doença, numa dada população ou comunidade, subir acima desse nível esperado, endémico, estamos perante uma epidemia. Esse aumento de casos é frequentemente súbito.
Surto é mais ou menos o mesmo que epidemia, mas diz geralmente respeito a uma área ou situação mais limitada. Por isso se fala de surtos de Covid-19 em lares, ou em escolas, ou numa fábrica, por exemplo. Quando falamos em população, em termos de saúde pública, podemos defini-la nos termos que fizerem sentido para o objectivo do nosso trabalho. População tanto pode ser a população portuguesa, como a população que trabalha na empresa tal, ou a população de crianças que frequenta a escola xis. Portanto, se pensarmos em população nesse sentido, embora haja uma pandemia na população mundial, não havia Covid-19 na população do lar tal e, de repente, houve lá um surto — um aumento do número de casos acima do esperado, que era zero, atéentão. Da mesma forma, podemos falar de surtos familiares — um aumento de casos numa dada família.
Resta-nos a definição de pandemia, que é a mais fácil: é uma epidemia à escala mundial. Para ser declarada a uma pandemia, uma epidemia tem de afectar múltiplos países e continentes, bem como um elevado número de pessoas.
Geralmente, quando se fala de epidemias, pensa-se automaticamente em doenças infecciosas, mas a verdade é que as doenças não transmissíveis, tais como a diabetes e a obesidade, podem apresentar um comportamento semelhante, podendo até ser contagiosas — não porque haja um vírus da obesidade, por exemplo, mas porque há comportamentos indutores de obesidade, que tendem a ser copiados por pessoas próximas.
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28.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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Lar: «local onde mora uma família», segundo o dicionário [visitar]. Daí a expressão: «lar, doce lar», significando o local onde encontramos protecção, abrigo e o carinho dos que connosco partilham o lar.
Mas o dicionário também define lar como «instituição que fornece serviços e assistência a um grupo específico de pessoas», identificando depois lares de estudantes e lares de idosos como exemplos [visitar].
Hoje em dia, mudámos o nome aos lares de idosos e passámos a chamar-lhes ERPI: estrutura residencial para pessoas idosas — o que ganhou bastante em assepsia, mas cresceu proporcionalmente em frieza.
Retomemos, portanto, a palavra lar, tanto para o lar familiar como para o lar de idosos — porque, no fundo, ambos se tratam da mesma coisa: da casa das pessoas. E, na casa das pessoas, não me parece adequado quem lá vive andar de máscara. Quer dizer, o lar tem de ser o último reduto da vida normal — não este novo normal distante e mascarado, mas o que é normal na essência do ser humano e era avida normal até Fevereiro deste ano: andar de cara descoberta, em proximidade dos que nos rodeiam e são queridos.
Daí que as famílias não precisem de usar máscara em casa, excepto se receberem visitas, e, nesse caso, devem usá-la mesmo que as visitas sejam outros familiares.
Mas daí também que não passe pela cabeça de ninguém com um mínimo de compaixão e empatia obrigar as pessoas mais velhas, que vivem na sua ERPI, a estar de máscara dentro da instituição a que chamam lar! Sobretudo, porque uma parte não despicienda dos idosos a residir em lares de idosos pouco ou nada sai para o exterior, de modo que o seu maior risco de virem aadoecer com Covid-19 é se as pessoas do exterior levarem o vírus para o interior.
Então, se o risco está no trânsito entre o exterior e o interior da instituição, onde importa investir é em prevenir esse contágio e é o que se tem feito, tanto a nível dos trabalhadores de lares de idosos, como dos familiares que efectuam visitas. Nunca é demais lembrar que as pessoas que trabalham em lares de idosos têm uma responsabilidade enorme: as suas escolhas e as suas acções no dia-a-dia, na sua vida pessoal inclusive, podem colocar em risco, não só a saúde, mas a própria vida das pessoas de quem cuidam na instituição onde trabalham. Todos temos a obrigação de nos protegermos e de travarmos o contágio. Mas estas pessoas têm uma obrigação extra: além de se protegerem, têm de proteger os idosos de que cuidam.
Por outro lado, as visitas alares de idosos têm sido suspensas de forma intermitente. Esta é a segunda via de prevenção, mas que tem também as suas consequências nefastas. A falta de visitas dos familiares noslares de idosos contribui decerto para a deterioração da qualidade de vida das pessoas que lá vivem, sobretudo em termos de saúde mental. Basta imaginarmos o que seria, para nós, anular o convívio com a família: é disso que estamos a falar, quando restringimos as visitas aos lares de idosos.
Daí que seja tão importante — como em tudo o resto, na verdade — tentarmos levar uma vida tão normal quanto possível. No caso dos lares de idosos, isso significa tentar manter ao máximo a possibilidade de se fazerem visitas, pugnando ao mesmo tempo por que estas se façam com o máximo de segurança. A Direcção-Geral da Saúde tem uma orientação específica sobre este assunto, a 9/2020, cuja consulta recomendo vivamente [visitar].
No resto da vida, a mesma coisa: fazer agora o que for essencial, com o máximo de segurança, e deixar o acessório para mais tarde, para quando isto passar. Porque há-de passar, disso não tenhamos dúvidas. O que está nas nossas mãos, agora, é somente decidir quanta dor vamos infligir anós mesmos, até isto passar.
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27.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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O SenhorPresidentedaCâmaraMunicipaldeChaves afirmou que há incapacidade manifesta da saúde pública para gerir a situação epidemiológica no concelho. Não podemos deixar de reagir a esta afirmação, por diversas razões.
Na mesma ocasião, afirmou também o Dr. Nuno Vaz que era importante provocar na comunidade um sentimento de confiança, que é absolutamente essencial nestes processos de pandemia. Esse sentimento de confiança não se produz denegrindo a acção dos parceiros e muito menos minando a confiança da população na acção da autoridade de saúde local. Asdeclarações públicas doSenhorPresidente foram, portanto, um passo atrás na construção dessa confiança que diz almejar.
A confiança conquista-se com o trabalho, não com palavras; e a acção da Unidade de Saúde Pública do Alto Tâmega e Barroso tem estado à vista de todos desde o início da pandemia, em Março. Por recomendação expressa da autoridade de saúde local, foram cancelados, em todo o Alto Tâmega e Barroso, pelo menos seis eventos de massas, que poderiam, tendo-se realizado, contribuir para a transmissão do coronavírus na comunidade e para a sua circulação entre outras regiões. Foram vistoriadas todas as mais de sessenta estruturas residenciais para pessoas idosas, algumas mais do que uma vez, com a colaboração da Segurança Social e da Protecção Civil. Foram organizadas variadas sessões de formação e de esclarecimento sobre a pandemia e cuidados a ter na prevenção do contágio, para a população geral e para populações específicas, tais como serviços hoteleiros, estruturas residenciais para pessoas idosas e a comunidade escolar, algumas por iniciativa da Unidade de Saúde Pública, outras a convite (que nunca recusámos). Foram ainda objecto de acção de sensibilização e posterior fiscalização, em colaboração com a autoridade policial, mais de duzentos estabelecimentos comerciais, das mais variadas naturezas, bem como todas as feiras e mercados municipais. Aliás, falando de feiras, devemos lembrar que nem todas as recomendações da autoridade de saúde, relativas à feira semanal deChaves, foram postas em prática… A Unidade de Saúde Pública acompanhou ainda o início do ano lectivo de todos os estabelecimentos de ensino do Alto Tâmega e Barroso e apreciou os respectivos planos de contingência. Aliás, foram emitidos mais de 150 pareceres sobre os planos de contingência das escolas, de diversos estabelecimentos comerciais, das estruturas residenciais para pessoas idosas e até para a realização de eventos. Muitas destas acções, designadamente a suspensão de eventos de massas, as vistorias às estruturas residenciais para pessoas idosas e a formação aos seus trabalhadores, foram anteriores à tomada dedecisão semelhante a nível nacional e à emissão de normas semelhantes por parte da Direcção-Geral da Saúde.
Ao mesmo tempo, não deixámos de realizar as outras tarefas que nos estão legalmente atribuídas, incluindo a vigilância sanitária da qualidade da água da rede pública, bem como de piscinas, estabelecimentos termais e oficinas de engarrafamento, e dedar conta ao Município das várias irregularidades detectadas na sua desinfecção. Assim como não deixámos de garantir o cumprimento da lei de saúde mental; de acompanhar a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica em acções de fiscalização da qualidade e higiene dos alimentos vendidos ao público; de realizar a vigilância epidemiológica das demais doençasde notificação obrigatória; de monitorizar o acesso aos cuidados de saúde primários; de promover a saúde ocupacional dos profissionais de saúde; de gerir e monitorizar a execução do Programa Nacional de Vacinação e da vacinação contra a gripe sazonal; entre muitas outras tarefas.
Em matéria de vigilância epidemiológica de Covid-19, foram realizados por esta Unidade de Saúde Pública cerca de 2000 inquéritos epidemiológicos e colocadas em isolamento mais de 3300 pessoas. Há, de facto, algum atraso, indesejável, na conclusão dos inquéritos epidemiológicos. Mas transformar isso em «incapacidade de gerir a situação epidemiológica» é manifestamente excessivo. Aliás, devemos recordar que, até ao fim de Setembro e mesmo durante o pico da pandemia, a nível nacional, entre Março e Abril, o Alto Tâmega e Barroso escapou praticamente incólume à Covid-19, fruto das medidas preventivas adoptadas em concertação com a autoridade de saúde. Mesmo durante os meses de Outubro e Novembro, a autoridade de saúde conseguiu controlar com sucesso os vários surtos ocorridos em Boticas, Montalegre, Ribeira de Pena e Vila Pouca de Aguiar. Reconhecemos os desafios colocados pelos concelhos deChaves e Valpaços, mas, com o apoio das medidas decretadas a nível nacional para os concelhos de maior risco, acreditamos que brevemente teremos a situação, também aí, controlada.
O SenhorPresidentedaCâmaraMunicipaldeChaves, bem como os seus colegas do Alto Tâmega e Barroso, manifestaram, por várias vezes, à Unidade de Saúde Pública, disponibilidade para apoiar no reforço do pessoal afecto à resposta à Covid-19, tendo aquele referido, nas suas presentes declarações, que não obteve resposta a essa proposta, desconhecendo em absoluto se há predisposição, da parte da Unidade de Saúde Pública, para aceitar ou não.
Sobre esta matéria, importa esclarecer o seguinte: a área funcional de vigilância epidemiológica da Unidade de Saúde Pública do Alto Tâmega e Barroso era composta, no início de Março, por uma equipa de três pessoas. Neste momento, essa equipa contém 21 pessoas, tendo ainda sido reforçada com uma equipa extraordinária doDepartamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúdedo Norte, de modo a recuperar inquéritos epidemiológicos em atraso. Ademais, os profissionais da Unidade de Saúde Pública têm-se desdobrado em esforços para, apesar das dificuldades na realização dos inquéritos epidemiológicos, nomeadamente o tempo gasto em cada um, a dificuldade na comunicação e a necessidade de criar suportes informáticos inexistentes, darem a melhor resposta possível no menor tempo possível, tendo isso implicado a realização de muitas horas extraordinárias. Os 21 profissionais de saúde que integram a equipa de vigilância epidemiológica representam, presentemente, por força das horas extraordinárias realizadas, mais de trinta equivalentes de tempo completo.
Como foi explicado ao SenhorPresidentedaCâmaraMunicipaldeChaves, o principal obstáculo a uma maior capacidade de resposta da parte da saúde pública não é a falta de profissionais de saúde, mas a obtenção de ganhos de eficiência no trabalho realizado. Há, neste momento, mais profissionais de saúde ao serviço do que telefones e computadores disponíveis para eles trabalharem.
Foi apresentado à Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega, que engloba o concelho deChaves, um pedido de apoio, em termos de material informático necessário à automatização de processos e outros recursos para enfrentar uma segunda vaga de Covid-19. Esse pedido, de Agosto deste ano, permanece ainda hoje por responder.
Foi também solicitado à CIMAT, já em Novembro, o reforço da equipa da Unidade de Saúde Pública com um técnico de informática, disponibilizado pelos municípios, que permitisse desenvolver ferramentas tendentes a solucionar os constrangimentos em termos de sistema de informação e assim aumentar a eficiência do trabalho das autoridades de saúde. Essa solicitação também ainda não recebeu resposta favorável.
O Dr. Nuno Vaz destacou ainda a importância de haver um processo de gestão da comunicação mais adequado, com a divulgação dedados entre todos os intervenientes da Protecção Civil, para em cada momento perceber a real situação epidemiológica.
A Unidade de Saúde Pública produziu, desde o início da pandemia, 186 boletins epidemiológicos. Cada número do boletim foi enviado ao Presidenteda Comissão Municipalde Protecção Civil, precisamente por reconhecermos a importância de que os seus agentes estejam ao corrente da situação epidemiológica. Recebemos, ao longo do tempo, várias sugestões de melhoria, que foram, na sua maioria, postas em prática, de tal forma que o boletim epidemiológico é, hoje, muito diferente do seu primeiro número. Houve, de facto, pedidos a que não pudemos aceder, relacionados sobretudo com questões de inviabilidade técnica, segredo estatístico ou confidencialidade na relação médico-doente.
Ainda assim, é importante lembrar também que a transmissão de informação aos parceiros da Protecção Civil deve ser realizada tendo em vista somente a sua necessidade de tomar conhecimento de factos que requerem a sua acção, o que sempre tem sido feito, através da mobilização atempada dos recursos necessários a resolução das situações mais delicadas que vão surgindo, designadamente em relação à resposta a surtos que ocorram em estruturas residenciais para pessoas idosas, ou a casos dedoença em pessoas que vivam em situações económicas desfavoráveis.
Em conclusão, podemos constatar que a Unidade de Saúde Pública do Alto Tâmega e Barroso sempre se pautou por uma postura proactiva no combate à pandemia de Covid-19 na região, fazendo incidir a sua acção na prevenção e na preparação antecipada da resposta, utilizando todas as ferramentas ao seu dispor, reforçando-se à medida das necessidades e mobilizando a colaboração de todos os parceiros da comunidade. Como é da natureza humana, cometemos erros e estamos sempre disponíveis para ouvir críticas construtivas e sugestões de melhoria, desde que em sede própria e não como forma de gestão política da pandemia.
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26.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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Vamos dizer as coisas como elas são: estamos mal, estamos muito mal — no país inteiro; e, quando estamos mal, é preciso tomar medidas drásticas, que nem sempre são fáceis de aplicar e implicam sacrifícios inusitados.
Vem isto a propósito das recentes medidas decididas pelo Governo, como meio de combate à pandemia de Covid-19 em Portugal, e em particular da suspensão das actividades lectivas nos dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro. Como em tudo, uma lei, que se quer geral e abstracta, não consegue antecipar e solucionar todas as situações. Mas, neste caso, apesar de tudo, o esquema não está mal pensado.
Comecemos pela lei geral, isto é, a tolerância de ponto nos dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro aos trabalhadores da função pública, ficando igualmente suspensas as actividades das escolas públicas, particulares e cooperativas, independentemente do nível de ensino, das creches e dos centros de formação profissional [ver fonte]. Portanto, é para todos os funcionários públicos e crianças ficarem em casa.
Mas há excepções: os trabalhadores dos serviços essenciais [ver fonte], que são os profissionais de saúde, os das forças de segurança e de socorro, incluindo os bombeiros voluntários, e os das forças armadas, bem como os trabalhadores dos serviços públicos essenciais e de lares, centros de dia e de gestão e manutenção de infraestruturas essenciais [ver fonte], havendo contudo a necessidade das entidades empregadoras ou das autoridades públicas mobilizarem estes trabalhadores. Quem não for mobilizado não se pode considerar essencial.
Concretamente, no caso da saúde, o Governo definiu quais os serviços que, por razões de interesse público, devem manter-se em funcionamento nos dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro [ver fonte]: a prestação de cuidados no âmbito da Covid-19, obviamente; a resposta a situações agudas ou urgentes; a prestação de cuidados que exijam continuidade; e, ainda, todas as actividades assistenciais já programadas anteriormente; e disse ainda o Governo que cabe aos dirigentes máximos das entidades de saúde identificar os trabalhadores necessários para assegurar o normal funcionamento dos serviços definidos como essenciais.
Portanto, temos aqui a primeira linha de bom senso: desde que os serviços essenciais estejam assegurados, nem todos os profissionais de saúde têm de trabalhar e, portanto, seria desejável que os dirigentes máximos levassem em linha de conta as obrigações familiares, nomeadamente para com filhos que ficam em casa, por força da suspensão das actividades escolares, ao mobilizarem os trabalhadores essenciais.
Mas o Governo também previu a possibilidade desse bom senso não existir, ou ser manifestamente impossível assegurar os serviços essenciais sem implicar deixar filhos pequenos sozinhos em casa: consideram-se faltas justificadas as motivadas por assistência a filho ou outro dependente menor de doze anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, bem como a neto que viva com o trabalhador e que seja filho de adolescente com idade inferior a dezasseis anos, decorrentes da suspensão das actividades escolares [ver fonte]. A única limitação deste esquema é que os trabalhadores que fiquem em casa com os filhos perdem direito à remuneração desse dia [ver fonte], mas podem, em alternativa, optar por gozar um dia de férias, que já são remuneradas [ver fonte].
Por outro lado, o teletrabalho poderá ser uma opção a considerar, embora não seja obrigatório para serviços essenciais.
No muitíssimo improvável caso dum casal de profissionais de saúde, em que ambos sejam mobilizados para assegurar serviços essenciais, não os possam realizar em regime de teletrabalho, não possam abdicar dum dia de ordenados dum deles sem incorrer em dívidas irresolúveis, já tenham esgotado os dias de férias a gozar este ano e não possam antecipar dias de férias do próximo ano, realmente, não tenho uma solução, mas tenho a dizer que é o cúmulo do azar…
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Republicação do 25.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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A Covid-19 pode matar. Mas pode matar de várias formas. Pode matar directamente. Em Portugal, 1,5% das pessoas que desenvolvem Covid-19 acabaram por falecer. Por comparação, na Alemanha, a letalidade é, presentemente, também de 1,5%; nos Estados Unidos, de 2,2%; em Espanha, de 2,7%; no Brasil, de 2,8%; na Suécia, de 3,2%; e, no mundo, globalmente, de 2,4% [ver fonte]. Até nem estamos mal, mas temos de continuar a tomar as precauções recomendadas pela DGS, temos de continuar a isolar os doentes e os seus contactos e temos de continuar a testar todos os casos suspeitos, para continuarmos a sobreviver…
Mas a Covid-19 também pode matar indirectamente. A pandemia criou um conjunto de situações nefastas para a saúde. Por um lado, o adiamento de consultas e cirurgias nos hospitais e nos centros de saúde pode levar a que pessoas com cancro e doenças crónicas não consigam aceder aos cuidados de que precisam, ou adiem tratamentos ou consultas de vigilância, e isso pode fazer com que situações que poderiam ser detectadas atempadamente e corrigidas possam acabar a complicar-se. Por outro lado, há notícias de aumentos de casos de violência doméstica associados ao confinamento, bem como situações de saúde mental que podem ser agravadas ou desencadeadas pelo confinamento. E depois, há que não esquecer a enorme pressão a que estão sujeitos os profissionais dos serviços de saúde, incluindo as autoridades de saúde, com turnos de trabalho loucos, horas extraordinárias inimagináveis e uma população que, volta e meia, os culpa por não conseguirem resolver todos os problemas — 80% dos quais, diga-se em abono da verdade, não seriam problemas, se a malta usasse máscara e não andasse a almoçar todos os Domingos com a família inteira. Mas isto já sou eu a descompensar e, portanto, vamos voltar ao assunto que temos hoje em apreço, antes que me despeçam por dizer umas verdades inconvenientes…
Dizia eu que a Covid-19 pode matar indirectamente. Pode ser porque os serviços de saúde não conseguem dar resposta, mas também pode ser porque as pessoas deixam de os procurar. Preferem não sair de casa, têm medo de ir ao médico, ou à urgência do hospital, e vir de lá com Covid-19. Sabemos que a procura dos serviços de urgência se reduziu, bem como o número de consultas nos cuidados de saúde primários.
A juntar a tudo isto, há a incerteza. A codificação da causa de morte não é uma ciência exacta. Por um lado, pode haver pessoas que morrem por Covid-19, que nunca são diagnosticadas. Por outro lado, se uma pessoa tem uma doença que pode ser fatal e, entretanto, desenvolve Covid-19 e morre, essa morte foi causada pela Covid-19, ou pela outra doença? Esta destrinça não é fácil de fazer e é um desafio adicional à contagem da mortalidade devida à Covid-19.
Mas também há boas notícias. As medidas de prevenção da Covid-19 são, basicamente, as mesmas que permitem prevenir a gripe. Para além disso, a procura da vacina atingiu níveis nunca antes vistos, provavelmente potenciada pelo receio da Covid-19. Tudo isto permite-nos estar confiantes de que, este ano, não haverá as tradicionais tristes notícias dos serviços de urgência atulhados de pessoas engripadas em Dezembro e Janeiro. Por outro lado, o confinamento reduziu o tráfego automóvel e, consequentemente, a mortalidade nas estradas e a poluição nas cidades (favorecendo quem tem doenças respiratórias, que são agravadas pela poluição). Mesmo os homicídios devem ter diminuído, por haver menos gente na rua.
Mas todos estes efeitos indirectos levarão, provavelmente, anos a identificar e a quantificar; e a verdade é que, provavelmente, nunca serão quantificados na totalidade, pois há demasiados factores em jogo, para se conseguir isolar o efeito de cada um deles. A questão fundamental é: não se morre só de Covid-19, mas pode-se morrer, sem Covid-19, por causa da Covid-19.
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Republicação do 24.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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Olá!
A Lei n.º 81/2009 estabeleceu «um sistema de vigilância em saúde pública, através da organização de um conjunto de entidades dos sectores público, privado e social desenvolvendo actividades de saúde pública, conforme as respectivas leis orgânicas e atribuições estatutárias, aplicando medidas de prevenção, alerta, controlo e resposta, relativamente a doenças transmissíveis, em especial as infecto-contagiosas, a outros riscos para a saúde pública, com vista a garantir o direito dos cidadãos à defesa e protecção da saúde» [ver fonte].
Trocando por miúdos, foi criado o Sinave — Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. Este Sistema engloba os serviços de saúde pública e as autoridades de saúde, os laboratórios e as entidades de saúde dos sectores público, privado e social e funciona da seguinte forma.
Quando um médico — qualquer médico no exercício da sua profissão, independentemente da especialidade — diagnostica uma doença sujeita a notificação obrigatória, ou identifica um número anormalmente alto de certos casos de doença (significando que podemos estar perante um surto dessa doença), preenche um formulário electrónico, na plataforma Sinave, que é imediatamente transmitido à autoridade de saúde. Esta, por sua vez, realiza o inquérito epidemiológico, que, como eu já expliquei [visitar], tem por finalidade prevenir a ocorrência de mais casos daquela doença, naquela comunidade. A forma como se faz isso varia, depois, em função do tipo de doença de que estamos a falar, da sua via de transmissão, etc. No caso específico da Covid-19, identificam-se os contactos de alto risco e colocam-se em isolamento profiláctico, bem como ao doente propriamente dito. Se for caso disso, podem ser aplicadas outras medidas, como sejam a limpeza e desinfecção de espaços, o reforço de medidas preventivas, a realização de actividades de formação a profissionais que prestam cuidados, etc.
Mas não são só os médicos que notificam doenças através do Sinave. É também obrigatória a notificação dos resultados laboratoriais por parte dos laboratórios que realizam os testes. O Sinave está, na verdade, dividido em duas partes: o Sinave-med, para as notificações feitas pelos médicos, e o Sinave-lab, para as notificações feitas pelos laboratórios. Aliás, se pensarmos bem, o Sinave até está dividido em três partes: estas duas — Sinave-med e Sinave-lab — para a entrada de informação, através das notificações, e uma terceira parte, para a saúde pública gerir essas notificações e registar os inquéritos epidemiológicos. Portanto, em princípio, todos os casos de Covid-19 passam pelo Sinave e são, por essa via, do conhecimento das autoridades de saúde — e contabilizados na informação que é divulgada ao público.
Naturalmente, como acontece com todos os sistemas, terá as suas falhas. É sabido que nem todos os médicos notificam as doenças que diagnosticam — uns por esquecimento, outros por desconhecimento ou falta de à-vontade com a plataforma informática. Da mesma forma, pode acontecer que alguns laboratórios não cumpram a obrigatoriedade de notificar no Sinave-lab, ou que o façam de forma incorrecta e, por consequência, a informação não chegue à autoridade de saúde atempadamente, ou mesmo de todo.
Mas, já por causa disso, há redundância no sistema. Especificamente no que à Covid-19 diz respeito, há, além do Sinave, o Trace Covid-19, uma plataforma desenvolvida especificamente para identificar e seguir os casos de Covid-19 e os seus contactos. Um caso que seja notificado no Sinave é copiado automaticamente para o Trace Covid-19. Um caso que seja notificado no Trace Covid-19 é sinalizado, se não tiver uma notificação no Sinave. O SNS24 também está ligado ao Trace Covid-19 e, portanto, quando alguém com sintomas liga para lá e lhe é recomendado que fique em casa e faça teste, essa informação (e, em princípio, o resultado do teste) passa para o Trace Covid-19.
E depois, há a comunicação informal. Quando alguém tem conhecimento dum caso, ou de que esteve em contacto com um caso, geralmente comunica-o às autoridades de saúde.
Portanto, não posso dizer que 100% dos casos de Covid-19 estejam nos boletins epidemiológicos nacionais, regionais ou locais, porque nunca se pode assegurar que o que quer que seja funcione a 100%. Mas posso dizer que é altamente improvável que andem por aí pessoas doentes com Covid-19, já diagnosticadas, a passear e não sejam do conhecimento das autoridades de saúde.
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Republicação do 23.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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A pergunta a que vamos tentar responder hoje é das mais complexas que existem: quando teremos vacina e, quando a tivermos, poderemos retomar a vida pré-pandemia?
Comecemos pelo início. Uma vacina demora muitos anos a desenvolver. Contudo, em relação à Covid-19, foi anunciado que teríamos uma vacina pronta em menos dum ano.
Pensemos na Covid-19 em comparação com outras doenças causadas por outros tipos de coronavírus, como sejam a síndroma respiratória aguda grave (SARS) ou a síndroma respiratória do Médio Oriente (MERS), ou mesmo doenças causadas por outros tipos de vírus, como sejam a sida. Não há vacinas para nenhuma delas (no caso da sida, há trinta anos que esperamos uma vacina); e agora vamos conseguir fazer uma vacina para a Covid-19 num ano ou menos?!
Bom, há algumas diferenças fundamentais que abrem uma janela de esperança. Relativamente ao VIH, o SARS-CoV-2 tem uma taxa de mutação muito mais lenta, o que o torna mais susceptível à acção preventiva duma vacina; e tem a vantagem de não atacar o sistema imunitário, que é um dos factores que mais tem dificultado o desenvolvimento duma vacina contra o VIH. Portanto, se, por um lado, é bem possível que nunca venhamos a ter uma vacina para a sida, os motivos por que assim é não se verificam no caso da Covid-19.
Relativamente à SARS, a gravidade da doença fazia com que não houvesse transmissão por pessoas assintomáticas, nem pré-sintomáticas. Isso facilitou a contenção do surto de 2003 e nunca mais aconteceram outros surtos. A verdade é que foram desenvolvidas várias vacinas, mas, não havendo mais surtos, deixou de ser economicamente apetecível desenvolver vacinas que ninguém precisa de tomar e, portanto, não há dinheiro para concluir a investigação. Além disso, mesmo que houvesse dinheiro dedicado a estudos sobre vacinas para SARS, sem surtos a acontecerem, não é possível concluir os testes à sua eficácia.
Relativamente à MERS, foi identificada em 2012 e, desde então, teve alguns surtos de grande dimensão. Mas a sua origem é relativamente fácil de controlar, visto que se transmite a partir de dromedários e a transmissão entre pessoas só ocorre quando os doentes estão sintomáticos. A melhoria das condições de higiene no tratamento dos animais e nos hospitais, que são os locais onde ocorre a maioria dos contágios entre pessoas, fez com que os surtos mais recentes tenham sido muito pequenos. Ora, se a população geral está, em princípio, segura e se, mesmo entre grupos de alto risco, o contágio é pouco frequente e pode ser prevenido com relativa facilidade, através da aplicação de medidas de higiene, também não se torna uma doença para a qual seja prioritário desenvolver uma vacina. Além do mais, o problema de testar a sua eficácia é parecido com o da SARS: surtos demasiado pequenos não permitem ver se a vacina é eficaz ou não a preveni-los.
A boa notícia é que, como a Covid-19 é provocada por um vírus da família dos que provocam SARS e MERS, muitas vacinas que tinham sido pensadas para estas duas doenças e nunca chegaram a ser testadas, pelas razões que eu já disse, foram reorientadas para a Covid-19 e permitiram acelerar a fase inicial de desenvolvimento laboratorial das vacinas. Por outro lado, com a quantidade de financiamento atribuído à investigação sobre Covid-19 e a transmissão muito mais activa entre pessoas, que aumenta o número de casos e facilita a selecção de amostras, é de esperar que os passos seguintes sejam também mais rápidos.
Ainda assim, é preciso garantir três coisas: que a vacina é eficaz, segura e efectiva. Uma vacina eficaz significa que é capaz de induzir uma resposta do sistema imunitário. Esses testes já se encontram realizados e permitiram identificar vacinas que poderiam realmente avançar para a fase seguinte: segurança. Uma vacina segura significa que não induz efeitos adversos graves, que impeçam a sua administração às pessoas. Ou seja, não podemos vacinar as pessoas com vacinas que provocam outras maleitas. Como todas as vacinas passam por esta fase, os argumentos dos movimentos antivacinas caem, simplesmente, por terra. Todas as vacinas são seguras, porque todas foram testadas e, se se descobrisse que o não eram, não seriam comercializadas. Aliás, houve notícia de que um estudo da AstraZeneca foi interrompido, precisamente, porque se suspeitou de efeitos secundários graves da vacina que estava a ser testada, que depois até nem foram confirmados [ver fonte]. Sobra a efectividade; e é nesta fase que estão a maioria dos estudos de vacinas para Covid-19. Uma vacina efectiva é aquela que funciona na população geral. Para verificar isso, fazem-se estudos de grande dimensão, com dezenas de milhar de pessoas. Recrutar dezenas de milhar de pessoas para um estudo científico é um desafio em si mesmo e demora tempo. Depois, é preciso administrar a vacina, ou o placebo contra o qual se pretende testar, o que também não é coisa que se faça dum dia para o outro. Como se isto não bastasse, depois vem a parte mais difícil de todas: as pessoas que fazem parte do estudo têm de ser infectadas, para ver se a vacina as protege ou não. Ora, não sendo ético injectar o vírus nas pessoas, nem sendo ético dizer-lhes para não terem cuidado, sobra uma opção: esperar que dezenas de milhar de pessoas, enquanto têm os cuidados gerais que lhes foram recomendados na televisão, nos jornais, no médico, no trabalho, em todo o lado, para evitar o contágio, sejam contagiadas. É fácil de ver a dificuldade que aqui está…
A verdade é que esses estudos estão em curso e estão anunciados resultados da maioria deles para o final deste ano [ver fonte]. Com alguma dose de optimismo, é possível assumir que venha a acontecer. Mas o processo não termina aqui. Até agora, estamos a falar do trabalho dos laboratórios farmacêuticos. Mas os laboratórios farmacêuticos são parte interessada no processo, já que pretendem desenvolver vacinas para as vender e ganhar dinheiro com isso. Por muito honestos que sejam, têm um conflito de interesses óbvio. Por isso, é preciso que os estudos feitos pelos laboratórios farmacêuticos sejam validados por uma entidade reguladora, que autorize a sua introdução no mercado. Em Portugal, essa autoridade é o Infarmed; na União Europeia, a EMA (que quase veio para o Porto [ver fonte]); e, nos EUA, a FDA. O processo de autorização, por muito rápido que seja, não se faz da noite para o dia; caso contrário, corremos o risco de fazer pior a emenda que o soneto: cometer erros e descredibilizar as entidades reguladoras, a indústria farmacêutica e as vacinas em geral.
Mesmo que tudo corra bem e seja o mais rápido possível, é depois preciso conseguir ainda produzir e administrar milhões de doses de vacina. Os laboratórios farmacêuticos têm uma capacidade de produção limitada. Por exemplo, a Moderna anunciou quinhentos milhões de doses por ano, o que não chega para vacinar sequer dez por cento da população mundial [ver fonte]. Para a Europa, estão reservados oitenta milhões de doses [ver fonte], o que permitiria cobrir menos de dez por cento da população europeia (não esquecer que a Moderna referiu que seriam provavelmente necessárias duas doses de vacina por pessoa [ver fonte]). Por muito que aumentemos a capacidade de produção, nem toda a gente vai poder ser vacinada de imediato.
Até porque, mesmo que tivéssemos um fornecimento ilimitado de vacinas, teríamos ainda o problema de operacionalizar a sua administração. Não temos doses infinitas, mas também não temos enfermeiros infinitos, para as administrarem às pessoas; nem temos instalações infinitas, para os enfermeiros fazerem o seu trabalho; planear, criar condições para a execução e executar de facto toda a operação de vacinação leva o seu tempo. Por muito rápidos que sejamos, estamos a falar de meses.
Finalmente, temos a questão do que a vacina pode realmente fazer. Há dois tipos de efeitos da vacina. Um deles é o de reduzir a transmissão, o outro é de reduzir a gravidade da doença. Se as vacinas que vierem a ser lançadas no mercado tiverem por efeito principal reduzir a gravidade da doença, sem grande impacto na transmissão, então a estratégia de vacinação terá de passar pela priorização dos grupos mais susceptíveis a complicações graves ou mortais, pois é certo que o vírus continuará a circular na comunidade e apenas as pessoas vacinadas ficarão protegidas das formas graves da doença.
Se as vacinas tiverem um forte impacto na redução da transmissão, então deveremos procurar generalizar a vacinação o mais possível, de modo a procurar atingir a imunidade de grupo. Mas também é preciso termos noção do que é preciso fazer, neste contexto. A quantidade de pessoas que é preciso vacinar depende de duas coisas: da contagiosidade do vírus e da eficácia da vacina. A contagiosidade do vírus mede-se através do chamado R0, que, no caso da Covid-19, é de 2, ou seja, sem quais quer medidas de prevenção, um doente contagia, em média, duas pessoas. Se assumirmos que a vacina tem uma eficácia de 75%, o que não é nada mau, teríamos de vacinar dois terços da população para conseguir anular o contágio. Mas, se assumirmos que a eficácia da vacina é de apenas 50%, como acontece muitas vezes com a vacina da gripe, para contermos a progressão da doença seria necessário vacinar a totalidade da população. Em qualquer dos casos, o número de vacinas da Moderna que a Comissão Europeia negociou não seria suficiente.
Mas não basta analisar a eficácia inicial da vacina. É preciso saber se essa eficácia é duradoura. Ainda não sabemos muito sobre a imunidade produzida pela infecção pelo coronavírus, mas os estudos existentes até à data não nos permitem assumir que as vacinas produzam imunidade duradoura [ver fonte]. Por outras palavras, pode ser necessário vacinar a população todos os anos, para garantir a continuidade da imunidade.
Resumindo e concluindo, há demasiadas incógnitas e demasiados obstáculos, para podermos dizer com segurança que a vacina nos permitirá retomar a vida que tínhamos antes da pandemia, muito menos já para o ano que vem.
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Republicação do 22.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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No passado dia 24 de Outubro, o jornal Expresso publicou um mapa dos concelhos com risco de contágio muito elevado, no qual incluiu os concelhos de Montalegre, Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar e Valpaços. Segundo a notícia que acompanha o mapa, o critério foi o número de novos casos, por cem mil habitantes, ter sido superior a 120 entre 5 e 19 de Outubro. A fonte dos dados são os boletins da DGS.
Como eu já expliquei aqui [visitar], os boletins da DGS não correspondem necessariamente à realidade a nível local. Por consequência, o mapa produzido pelo Expresso a partir desses dados pode não identificar correctamente os concelhos de «risco de contágio muito elevado». Não é esse o caso no Alto Tâmega, visto que, mesmo utilizando os dados do boletim epidemiológico da Unidade de Saúde Pública local, o mapa não se altera: Montalegre, Ribeira de Pena, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar continuam a vermelho.
Mas o que é mais importante é perceber o que esse valor significa. Vamos a um exemplo absurdo, mas que acho que explica lindamente a limitação de olharmos apenas para a incidência e determinarmos assim o risco. Suponhamos que, no espaço de duas semanas, toda a população de Chaves era infectada. O mapa indicaria Chaves a vermelho, com «risco de contágio muito elevado». No entanto, se já toda a gente adoeceu, não há mais ninguém para adoecer. Logo, na verdade, o risco passou para zero: se não há mais ninguém para adoecer, porque todos já estão doentes, então não haverá certamente novos casos na semana seguinte. O que este exemplo absurdo nos demonstra é que olhar simplesmente para o número de casos que surgiram num dado período não é garantia de continuarem a surgir casos no futuro. É muito mais importante olhar para a curva epidémica e perceber o caminho que está a seguir. O número de casos está tendencialmente a aumentar ou a diminuir? Se estiver a diminuir, então o nível de risco é reduzido. Se estiver a aumentar, esse aumento tem características lineares ou exponenciais? Se for um aumento linear, não é mau. Se for um aumento exponencial, então, sim, podemos estar perante um problema.
Mas não basta olhar para a tendência. Outro exemplo: foi publicado nas notícias que houve um surto em Salto, Montalegre [ver fonte]. Esse surto representa três quartos do número de casos ocorridos em todo o concelho. Se retirarmos o surto de Salto da equação, Montalegre já não fica a vermelho, ou seja, já não faz parte da lista de concelhos com «risco de contágio muito elevado». Portanto, olhar para os concelhos, sobretudo para concelhos geograficamente tão extensos como os do Alto Tâmega, e tomá-los como um todo homogéneo, onde o risco de transmissão se distribui igualmente por todo o território, é um erro.
Da mesma forma, importa perceber em que circunstâncias acontecem os surtos. É diferente termos casos concentrados numa instituição ou comunidade — seja um lar, uma escola, uma fábrica, uma corporação de bombeiros, etc. — ou termos casos a acontecer de forma dispersa. Surtos com um ponto de origem comum preocupam-nos menos, porque, uma vez fechada aquela cadeia de transmissão, através da colocação dos contactos em quarentena, o surto extingue-se rapidamente.
Além da extensão geográfica, a densidade populacional do Alto Tâmega é baixa. A reduzida dimensão populacional é outro factor a ter em conta, nesta análise. Vejamos o caso de Boticas. A incidência, medida usada no mapa do Expresso, calcula-se dividindo o número de novos casos pela população em risco. Em Boticas, dada a reduzida população do concelho, uma família de seis pessoas — dois avós, dois pais e dois netos, por exemplo — em que um dos netos estude no Porto, venha de lá com Covid-19 passar o fim-de-semana e contagie o irmão, os pais e os avós, é suficiente para elevar a incidência no concelho para acima da fasquia dos 120 casos por cem mil habitantes, usada para definir um concelho de alto risco. Podemos mesmo dizer que Boticas está em alto risco, quando tem apenas uma família doente? Dificilmente…
O que nos traz a mais uma limitação destes mapas de risco baseados na incidência: a forma como ocorreu o contágio também é importante. Se temos uma origem bem identificada para os casos, é uma coisa. Se não sabemos como surgiram os casos, é outra. Quando isto acontece, dizemos que há transmissão comunitária. A transmissão comunitária agrava o risco, porque significa que há uma fonte, que não sabemos qual é, que está a transmitir o vírus. Ou seja, pode ter sido qualquer pessoa, em qualquer sítio, a origem da infecção. Quando não sabemos a origem, não podemos extingui-la directamente e temos de tomar medidas mais gerais de contenção, como sejam a suspensão do funcionamento de determinados estabelecimentos, serviços e eventos não essenciais.
Para além disto tudo, importa ainda dizer que esta informação não deve ser divulgada publicamente, porque corre o risco de ser contraproducente. Se há quatro concelhos do Alto Tâmega a vermelho no mapa do Expresso, quer dizer que os dois restantes estão a salvo? É perigoso dizer isso, porque pode dar uma sensação de segurança às pessoas, que as leve a facilitar e, se há coisa que não podemos fazer nesta altura, é facilitar. Só por curiosidade, se o mapa do Expresso tivesse sido baseado nos dados de 6 a 20 de Outubro, em vez de 5 a 19, Chaves já entraria na lista de concelhos com «risco de contágio muito elevado» também…
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