Serenidade
Fotografia por Manuel Varzim
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O 67.º episódio das «Perspectivas em saúde», a rubrica semanal sobre saúde que eu faço na Sinal TV [visitar], contou com a presença do meu colega na Unidade de Saúde Pública do Alto Tâmega e Barroso, o Dr. Rui Capucho, médico de saúde pública e delegado de saúde. Neste episódio, falámos sobre a despedida do Vice-Almirante Gouveia e Melo, o tempo frio e as infecções respiratórias após a Covid-19.
A minha mãe era uma pessoa muito sensível ao simbolismo de todas as coisas. Talvez por deformação profissional, encontrava coincidências numéricas a cada passo, mas também reparava nas pequenas coisas não numéricas e encontrava-lhes também o simbolismo.
Hoje de manhã, disseram-nos que «o grão de mostarda que um homem (…) semeou no seu campo […] é realmente a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas e faz-se uma árvore.» De facto, este é o primeiro simbolismo desta tarde. Esta pequena árvore, que acompanha as cinzas da minha mãe, irá crescer e permanecer um testemunho vivo, símbolo da vida dela.
Mas a data é também simbólica: o dia 13 do mês 6. 13 e 6 eram os números preferidos da minha mãe. Dia 13 de Outubro de 1945, veio ela ao mundo; e dia 6 de Novembro de 1983, foi a minha vez. Provavelmente, embora não tenha chegado a falar disso com ela, o número 15 deve ter, desde este Janeiro, entrado nas suas preferências numéricas, graças à Nati. Assim, 13/6: não poderia haver data mais adequada para aqui nos reunirmos.
Esta despedida é o mais próximo do que a minha mãe desejava. A minha mãe tinha uma expressão muito pragmática, para se referir à morte em geral; e à sua em particular:
— Morreu o mico, acabou a comédia.
Muitas vezes a ouvi dizer que dispensava velórios, caixões caríssimos forrados a veludo, missas e funerais. Dizia que queria ser simplesmente embrulhada num lençol e enterrada num jardim, com um relvado. Ela, apesar de ser, em tudo o resto, francófila, tinha um particular apreço pelos cemitérios à moda anglo-saxónica.
Por razões de saúde pública, não é permitido cumprir essa vontade da minha mãe. Os caixões são obrigatórios e apenas as cinzas podem ser depositadas fora dum cemitério. A minha mãe certamente encontraria um simbolismo também em ter um filho especialista em saúde pública, que, por força legal e deontológica, não pode deixá-la descansar em paz exactamente como ela gostaria.
Mas, como eu já disse, esta despedida é o mais próximo do que a minha mãe desejava. O caixão, réplica do do Papa João Paulo II, que também primou pela simplicidade em vida, foi o mais simples possível e, agora, as cinzas não são depositadas embrulhadas num lençol, mas num pedaço de cartão, e ficam, não num jardim relvado qualquer, mas no jardim da casa com que ela sonhou, que, de certa forma, construiu e onde viveu uma vida.
Aqui estará, para me acompanhar, para ver crescer a Nati e para a todos receber, sempre que a queiram visitar.
Olá!
Hoje, vamos falar de frigideiras!…
Falar da importância da frigideira na saúde pública implica dizer uma palavra difícil: ácido perfluorooctanóico, normalmente abreviado para a sua sigla: PFOA. O PFOA é uma substância usada para fabricar materiais anti-aderentes e resistentes às manchas.
Há pouco mais duma década, as frigideiras com Teflon dominavam o mercado dos utensílios de cozinha. O problema do Teflon e doutros materiais fabricados com PFOA e outras substâncias sintéticas, tais como, por exemplo, os sacos de pipocas de microondas e caixas de piza, entre outros produtos, é a libertação para o meio ambiente de substâncias potencialmente prejudiciais, durante o seu processo de fabrico.
Mas isto é muito mais do que uma questão de protecção ambiental. Aliás, um dos nossos problemas, enquanto sociedade humana, é a nossa visão encaixotada das coisas: tendemos a dividir o mundo em duas caixas — numa caixa, metemos a natureza; na outra, metemos o ser humano e tudo o que ele produz. Ora, os seres humanos fazem parte da natureza; e os produtos que fabricamos fazem igualmente parte da natureza. Não há, filosoficamente — nem sequer quimicamente, a bem dizer — uma diferença fundamental entre uma barragem de cimento feita por uma empresa de construção civil e uma represa de madeira feita por um castor; nem entre uma cidade humana e uma colmeia; nem entre uma mina para extracção dum qualquer minério e um formigueiro subterrâneo; nem entre a agricultura e o cultivo de fungos por parte das formigas; nem entre o Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo, e uma torre de térmitas (que, diga-se de passagem, equivale a mais de dois Burj Khalifas empilhados, proporcionalmente à dimensão dos seres que a constroem) — só para dar um par de exemplos do que quero dizer.
De igual forma, dizer que a selecção natural não actua sobre a espécie humana é, não só arrogante, mas também falso. A selecção natural actua através dum equilíbrio entre características do indivíduo e características do ambiente. Se o ambiente muda, indivíduos com diferentes características passam a ser seleccionados. Por outras palavras: as alterações climáticas são meramente uma alteração do ambiente em que estamos inseridos, que pode condicionar uma alteração nas características que conferem maior adaptação. As características da nossa espécie podem não estar adaptadas ao que aí vem e, portanto, a extinção da espécie humana é uma possibilidade real, fruto da selecção natural.
Mas estou a divagar! O que queria dizer é que as substâncias que são libertadas para o meio ambiente durante a síntese do ácido perfluorooctanóico e o fabrico dos produtos que o incorporam como matéria-prima acabam por voltar a nós, à nossa corrente sanguínea. Um estudo de 2007 encontrou substâncias da família do PFOA presentes em mais de 98% das mais de 2.000 amostras de sangue humano analisadas. O efeito da presença destas substâncias no sangue sobre a saúde das pessoas ainda não está estudado.
Em 2006, oito fabricantes concordaram em eliminar o PFOA do processo de fabrico de frigideiras anti-aderentes até 2015. Mas os problemas com o PFOA persistem e é por isso que, nos EUA, a Agência de Protecção Ambiental avisou as entidades gestoras de redes de abastecimento de água de que deveriam analisar o nível de PFOA na água que fornecem.
As frigideiras de Teflon são um de muitos exemplos de como a revolução trazida pelas substâncias sintéticas teve consequências inesperadas e implicações na saúde das pessoas.