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Bom Filho

Bom Filho

04 de Dezembro, 2021

E a minha homenagem

Os estudantes são a razão de ser duma instituição de ensino. Daí que a memória da minha mãe no ISCAP seja a memória da Professora Maria Hélder. 

Porém, eu nunca fui aluno da minha mãe. A memória que tenho dela é como mãe, não como professora. Por isso, começo por relembrar os meus próprios anos de faculdade. Houve professores que me marcaram pela positiva, outros pela negativa, e outros que não me marcaram de todo. Aos primeiros, ainda hoje gosto de cumprimentar efusivamente, quando os nossos caminhos pessoais ou profissionais se cruzam. Com os restantes, sou mais contido. Mas lembro-me de ir na rua com a minha mãe e pessoas que eu não conhecia a cumprimentarem espontânea e efusivamente; e ela me dizer:

— Foi meu aluno — ou — foi minha aluna.

Por analogia, resta-me concluir que a minha mãe teria sido uma das minhas professoras preferidas.

O que quero aqui hoje partilhar convosco são alguns pensamentos dispersos, memórias soltas que tenho da minha mãe no ISCAP e de mim mesmo no ISCAP.

A minha mãe era uma pessoa à frente do seu tempo. Basta ver que, em 1962, quando quase 40% das mulheres portuguesas não sabiam ler nem escrever, a minha mãe disse ao pai (meu avô, portanto) que queria ir estudar e, sete anos depois, era bacharel em Contabilidade, formada por esta mesma casa, e estudante da Faculdade de Economia. Esse temperamento manteve-se ao longo da vida e reflectiu-se na forma como ensinou e se relacionou com os seus alunos.

Mas acho que posso dizer, sem medo de dizer um grande disparate, que também tive um papel nesse percurso. Quando eu nasci, a minha mãe acumulava funções no ensino e no mundo empresarial. Mas fez contas à vida e concluiu que a carreira académica oferecia horários mais flexíveis e compatíveis com ser a mãe que queria ser.

Mesmo assim, não foi fácil. Lembro-me das muitas sonecas que dormi nos longos cadeirões que havia na sala dos professores da Rua de Entreparedes, enquanto a minha mãe ia dar aulas. Lembro-me de sairmos do autocarro na Praça da Liberdade e corrermos pela Rua 31 de Janeiro acima, para a minha mãe chegar a tempo da aula. Uns anos depois, lembro-me de ir com o meu pai buscá-la, ao princípio da noite, para irmos para casa e jantarmos. Já no Secundário, numa altura em que a Internet era um luxo, lembro-me de ficar no gabinete da minha mãe, já neste edifício, a descarregar os exames nacionais dos anos anteriores em PDF, para praticar para os meus próprios exames nacionais. À velocidade que aquilo andava, demorava mais ou menos tanto a descarregá-lo como a resolvê-lo! Mas o ISCAP ajudou-me, literalmente, a entrar na faculdade.

Mas eu também ajudei a minha mãe a leccionar no ISCAP. Mais uma vez à frente do seu tempo, quando acetatos escritos à mão ainda eram moda, a minha mãe já fazia apresentações em PowerPoint — com a minha ajuda, no computador lá de casa.

Depois, lembro-me de ter passado parte dum Verão ao computador, a dactilografar as 400 páginas da sua sebenta, que veio a dar origem ao seu livro, livro esse que, tanto quanto sei, ainda é bibliografia recomendada aos alunos deste Instituto [ver mais]. Ainda hoje as pessoas me perguntam como faço para escrever tão depressa ao computador, ao que eu respondo: prática dada pela minha mãe!

E, mais tarde, a sebenta transformou-se numa página na Internet, onde estavam os apontamentos das aulas, exercícios práticos e publicações científicas da lavra da minha mãe — página essa também criada e mantida por mim, muito antes do Moodle e doutras ferramentas online de apoio à aprendizagem — ou não andasse a minha mãe à frente do seu tempo!

Eram estas memórias singelas que queria hoje partilhar convosco.

Muito mais haveria a dizer duma vida ao serviço, não só do ensino e de formar novas gerações de contabilistas, mas também do avanço da ciência. Mas por aqui me fico, na certeza de que o legado da minha mãe permanece em todos aqueles cujas vidas ela tocou.

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