A vacina é eficaz contra as novas variantes do coronavírus?
36.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]
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Olá!
Eu já aqui temperei, em Novembro passado, as expectativas relativamente ao que a vacina contra a Covid-19 pode e não pode fazer por nós. Disse eu, então, que iria demorar meses, após termos vacina, até podermos retomar a vida normal pré-pandemia [visitar].
A realidade veio confirmar as minhas previsões: já vamos com quase um mês e meio de vacinação em Portugal e continuamos confinados. Aliás, estamos hoje mais confinados do que estávamos, quando começámos a campanha de vacinação.
Aos obstáculos que eu elenquei na altura, junta-se mais um: o aparecimento de novas variantes do coronavírus. Tal como eu disse, na altura, a rápida mutação do vírus causador da sida é um dos motivos pelos quais não temos — e possivelmente nunca viremos a ter — uma vacina contra essa doença. No caso do coronavírus, a velocidade a que ocorrem mutações é mais baixa e isso facilita a vida às vacinas.
Porém, «mais baixa» não significa inexistente: o coronavírus também sofre mutações e isso faz com que surjam novas variantes, como a do Reino Unido, a do Brasil e a de África do Sul, de que tanto se tem falado. E o que acontece às vacinas, perante o aparecimento destas novas variantes?
A resposta é: depende. Vamos falar um pouco de vacinas e de imunidade, para percebermos as implicações do aparecimento de novas variantes.
O sistema imunitário é uma espécie de polícia do nosso organismo. Os glóbulos brancos circulam no nosso sangue e, quando detectam uma ameaça, activam-se e destroem-na. Essa ameaça é identificada através duma coisa chamada antigénio, que é, no fundo, um pedaço do agente (seja um vírus, seja uma bactéria, seja mesmo uma célula cancerígena da própria pessoa); e o sistema imunitário detecta esse antigénio como estranho. Quando um antigénio é detectado pela primeira vez, dá-se aquilo que se chama resposta imunitária primária, que é mais fraca, mas cria-se memória imunitária. Essa memória imunitária é como que o sistema imunitário lembrar-se daquele agente e guardar as ferramentas para o destruir prontas a usar. Assim, na vez seguinte que o sistema imunitário detecta os mesmos antigénios, dá-se a resposta imunitária secundária, que é muito mais forte e rápida e é por isso que se diz que a pessoa está imune. Perante a resposta primária, demora mais tempo a eliminar o agente infeccioso e isso leva ao desenvolvimento da doença, mas, perante a resposta secundária, o agente infeccioso já não tem tempo de fazer farinha e a pessoa nem nota que foi infectada.
O papel das vacinas é apresentar esse antigénio ao sistema imunitário, sem causar a doença, de modo que o sistema imunitário o identifique e guarde na memória e, assim, se ocorrer a infecção, passamos directamente à resposta imunitária secundária e não ficamos doentes.
Perceber isto do antigénio é muito importante, para se perceber o que acontece à eficácia das vacinas perante novas variantes. Como eu disse, o sistema imunitário é a polícia do nosso organismo. Se o coronavírus for um carro, a vacina pode ser vista como um relatório com a marca, o modelo e a cor do carro. Ou seja, a vacina diz ao sistema imunitário: cuidado com um Opel Corsa branco. Se o coronavírus mudar de pneus, ou seja, aparecer uma nova variante, isso não altera a marca, nem o modelo, nem a cor do carro e o sistema imunitário continua a ser capaz de o detectar. A vacina não perde eficácia. Porém, se a variante pintar o carro de vermelho, então o sistema imunitário já não o reconhece e a vacina perde eficácia.
Claro que, na realidade, isto é um pouco mais complexo do que o exemplo que acabei de dar, mas creio que dá para perceber por que as variantes do coronavírus significam coisas diferentes para vacinas diferentes: tudo depende do antigénio introduzido em cada vacina e do local onde a nova variante difere e da dimensão dessa diferença. Daí que, das notícias que se conhecem, as vacinas existentes sejam globalmente eficazes contra a variante inglesa e globalmente menos eficazes contra a variante sul-africana.
Apenas o futuro dirá quem ganhará esta corrida: nós ou o coronavírus. Mas uma coisa é certa: mesmo com vacinas, lavar as mãos, usar máscara e manter o distanciamento continuam a ser as melhores armas que temos contra o coronavírus.