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Bom Filho

Bom Filho

13 de Abril, 2021

O que faz a saúde pública?

43.º episódio de «Perspectivas em saúde», na Sinal TV [visitar]

Veja este artigo em vídeo:

Ou leia o texto:

Olá!

A Saúde Pública é uma especialidade médica pouco conhecida e misteriosa para a maioria das pessoas. O médico de saúde pública não tem consultório, não trabalha num hospital, não faz operações, não atende doentes no serviço de urgência… Então, o que é, afinal, a Saúde Pública?

Antes de responder a esta pergunta, convém reforçar que a Saúde Pública é uma especialidade médica, reconhecida pela Ordem dos Médicos [visitar]. A Saúde Pública não é clínica geral; e muito menos deve ser confundida com a Medicina Geral e Familiar — outra especialidade médica, igualmente reconhecida pela Ordem dos Médicos.

Nos dias que correm, a Saúde Pública é a especialidade da Covid-19. Vão à televisão, dão entrevistas nos jornais e telefonam a meio mundo a dizer que estiveram em contacto com doentes com Covid-19 e têm de fazer teste e ficar uns dias em casa. Mas, quando não há Covid-19, o que é, o que faz e para que serve a Saúde Pública?

Responder a isso não é uma tarefa fácil! Para começar, não há acordo, sequer, quanto ao nome da especialidade. Em Portugal, chamamos-lhe Saúde Pública, à semelhança do que faz a maioria dos nossos parceiros europeus. No entanto, em certos países da União Europeia, sobretudo no Norte, a Saúde Pública é conhecida pela denominação Medicina Social, ou seja, a medicina que trata da sociedade. Já os Checos, os Italianos e os Finlandeses chamam-lhe Higiene, em honra duma das filhas de Esculápio, a deusa Hígia, patrona da saúde, da limpeza e da sanidade, na mitologia grega. Quanto aos Cipriotas, para serem diferentes de todos, resolveram chamar-lhe Medicina Comunitária.

Tal como há vários nomes para a especialidade, também existem várias definições. As definições são sempre problemáticas: ou são suficientemente abrangentes para toda a gente estar de acordo — e não dizem nada de útil — ou concretizam e, inevitavelmente, geram desacordo, porque… não é bem isto… devia ser mais aquilo…

Uma das minhas definições preferidas é a que afirma que a Saúde Pública é «o ponto de encontro entre a medicina, a sociedade e o governo.» De facto, estes três elementos — o conhecimento médico, o envolvimento dos cidadãos e as decisões tomadas pelos políticos — são indispensáveis para que a Saúde Pública possa atingir os seus objectivos.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, «a Saúde Pública diz respeito a todas as medidas com o objectivo de prevenir a doença, de promover a saúde e de prolongar a vida na população como um todo.» Em suma, são medidas destinadas «a criar as condições para que as pessoas possam ser saudáveis». As medidas de saúde pública tanto podem ser tomadas ao nível do sector público, como ao nível do sector privado. Contudo, a Saúde Pública é, habitualmente, encarada como uma responsabilidade, principalmente, do Estado.

A Organização Mundial da Saúde acrescenta ainda que as medidas de saúde pública são «organizadas». Este adjectivo significa que a Saúde Pública se estrutura em torno de actividades planeadas e executadas de forma global e não em pequenas medidas dirigidas, de cariz limitado. Outra característica da Saúde Pública, que deriva da anterior, é que as medidas de saúde pública abrangem a população como um todo e não cada pessoa individualmente.

Estas medidas de saúde pública, de que temos estado a falar, estruturam-se em torno de três funções principais. A primeira função consiste na avaliação e no acompanhamento da saúde da população, com o objectivo de proceder à identificação de problemas e à definição de prioridades em saúde. A segunda função consiste no planeamento de programas e projectos e de políticas públicas destinados a resolver ou a minorar os problemas identificados anteriormente. Finalmente, a terceira função consiste em promover o acesso da população a cuidados de saúde preventivos e de promoção da saúde. Nesta terceira função inclui-se, ainda, a função de representação do Estado, figura que é designada por «autoridade de saúde».

O cumprimento destas três funções organiza-se em torno de dez operações essenciais de saúde pública, que foram definidas pela Organização Mundial da Saúde [visitar].

A primeira tarefa que incumbe à saúde pública é a observação. A saúde pública vigia e acompanha o estado de saúde da comunidade, para identificar quais são os problemas que afectam esse mesmo estado de saúde. Para o efeito, a saúde pública avalia periodicamente os dados e os registos de mortalidade e de doença na sua região, bem como a rede de apoio social existente.

A segunda é a vigilância e a resposta às emergências de saúde pública. Aquilo que a saúde pública anda a fazer, em termos de Covid-19, cai directamente nesta categoria, mas há mais: intoxicações alimentares colectivas, eventos de massas, só para citar alguns exemplos.

A terceira operação essencial é a identificação e a investigação das ameaças à saúde da comunidade. Para este efeito, a saúde pública coordena a vigilância de agentes tóxicos ou infecciosos que possam colocar em risco a saúde da comunidade, incluindo a pesquisa laboratorial de produtos químicos, de bactérias e de parasitas, e toma as medidas necessárias para conter essas ameaças.

Em quarto lugar, cabe à saúde pública informar e educar a população e dar-lhe as ferramentas necessárias para saber decidir a respeito da sua saúde. Esta tarefa realiza-se através de iniciativas de educação para a saúde; de campanhas de informação; de programas de promoção da saúde e de prevenção da doença; e de comunicação mediática, de que este programa é um exemplo.

A quinta tarefa é a prevenção da doença, incluindo a identificação precoce de certas doenças. Cabem aqui a vacinação, os rastreios oncológicos e a gestão das doenças que são, por sua vez, factores de risco para outras doenças — por exemplo, da diabetes e da hipertensão arterial — aquilo a que se chama de prevenção secundária.

A sexta tarefa consiste no desenvolvimento de políticas e de planos que suportem os esforços individuais e da comunidade em termos de saúde. Esta quinta tarefa envolve a criação de planos locais de saúde, de planos de contingência para situações de crise, e o levantamento e a mobilização dos recursos necessários à execução desses planos.

A Saúde Pública é também, por vezes, chamada a contribuir para a formação dos colegas doutras especialidades, contribuindo para a existência de pessoal qualificado ao serviço nos cuidados de saúde. Para além disso, a Saúde Pública deve também ter um papel na definição dos planos estratégicos de gestão do pessoal de saúde.

A oitava tarefa é promover a sustentabilidade dos serviços de saúde, maximizando o seu impacto, a sua eficiência, a integração dos cuidados prestados por diversos níveis de serviços (cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, cuidados continuados…) e garantindo a continuidade e estabilidade do seu financiamento.

A nona operação essencial é a mobilização da comunidade, através de parcerias, para a identificação e resolução dos problemas da saúde. Esta tarefa acaba por ser transversal às outras, na medida em que a identificação dos problemas, a aplicação de medidas organizadas, destinadas a solucioná-los, e a educação e informação requerem, habitualmente, a colaboração de diversas entidades públicas e privadas.

Finalmente, incumbe à Saúde Pública investigar novas visões e soluções para os problemas de saúde da comunidade. Esta tarefa associa-se, claro está, à função de observação, a primeira das operações essenciais de saúde pública que enumerei aqui. Não é possível propor soluções para problemas que se desconhecem, da mesma forma que o simples diagnóstico dum problema não o soluciona. Assim sendo, a Saúde Pública é responsável por identificar a investigação mais inovadora e promover a sua passagem do ambiente científico e académico para a prática do dia-a-dia. Da mesma forma, a Saúde Pública realiza estudos epidemiológicos, análises de política de saúde e investigação dos serviços de saúde.

Para além destas operações essenciais, o médico de saúde pública assume também a função de autoridade de saúde. A autoridade de saúde é responsável por garantir o cumprimento das leis e dos regulamentos que protegem a saúde e garantem a segurança dos cidadãos. Para isso, cabe ao delegado de saúde: informar e educar a população a respeito do quadro legal existente; propor e advogar a criação de novos documentos legais, sempre que necessário; apoiar os cidadãos e as entidades no cumprimento das suas obrigações legais no domínio da saúde; e, quando necessário, assegurar a intervenção dos meios coercivos apropriados.

Como facilmente se adivinha, a Saúde Pública não realiza cada uma destas tarefas isoladamente. Pelo contrário, todas elas se intersectam, formando um ciclo contínuo de avaliação e diagnóstico; de inovação técnica, científica e política; e de promoção da saúde da população. No centro deste círculo, encontramos a investigação; e, à volta dele, todos os parceiros, públicos e privados, com e sem fins lucrativos, sem os quais nada disto é possível.

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