Parem de me perguntar quantos casos tivemos ontem!
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Olá!
Desde Março do ano passado, tornou-se quase um ritual diário ver, nas notícias, os números da Covid-19. Os indicadores foram variando — começou-se a falar, a meio, de incidências a catorze dias e Rt — mas há uma coisa que continua a passar em todos os noticiários todos os dias: o número de novos casos nas últimas 24 horas. Este é um dos números que preocupa toda a gente, que toda a gente quer saber e de que toda a gente fala; e eu arriscaria dizer, certamente sem medo de ser polémico, mas também sem muito medo de errar, que é um dos números menos relevantes.
O número de novos casos nas últimas 24 horas está sujeito a tanta variabilidade, que a informação que nos dá acaba por ser relativamente reduzida. Por exemplo, até ao dia 31 de Maio do ano passado, que foi mais ou menos quando acabou a primeira onda e o primeiro estado de emergência, tinha havido 32.500 casos, dos quais 1.410 tinham falecido até essa data também, o que dá uma percentagem de cerca de 4%. Deixemos passar Junho, Julho e Agosto, em que a coisa até correu mais ou menos, e vejamos entre Setembro e Dezembro, que foi quando tivemos a segunda onda: 355.732 casos, mas 5.150 óbitos, o que dá uma percentagem de cerca de 1%. Olhemos agora para a terceira onda, já em Janeiro e Fevereiro deste ano: 448.830 casos e 11.167 óbitos; ou seja, cerca de 2%.
O que mais nos preocupa na Covid-19 é esta relação entre número de casos, número de internamentos, número de pessoas em cuidados intensivos e, acima de tudo, número de óbitos. Se a Covid-19 fosse uma gripezinha, ou uma constipaçãozinha, como dizia o presidente brasileiro, nós não estaríamos a fazer todo este escarcéu. Claro que nós queremos que as pessoas sejam o mais saudáveis possível, mas queremos acima de tudo que elas estejam vivas e, francamente, as constipações não nos preocupam lá muito. o que mais importa verdadeiramente é o impacto que a Covid-19 tem em termos de colocar pressão sobre o sistema de saúde e poder causar a morte. Daí que o número de novos casos que ocorrem em 24 horas não seja muito informativo, porque nada nos diz sobre as características das pessoas que adoeceram, características essas que podem ter grandes implicações nesta dinâmica de internamentos e óbitos.
Além disso, existe um monte de factores que fazem variar o número de novos casos num período tão curto como um dia e que nada têm que ver com a doença, a velocidade do contágio, ou a gravidade dos casos. O exemplo mais simples que se pode dar destes factores e desta dinâmica é o dos fins-de-semana: desde o início da pandemia que, sistematicamente, o número de novos casos baixa ao Sábado e ao Domingo. Isso não quer dizer, de forma alguma, que as pessoas têm mais cuidado ao fim-de-semana, porque, se assim fosse, nem sequer faria sentido esta nova medida de obrigar a apresentar teste ou certificado para poder entrar no restaurante precisamente ao fim-de-semana. O que acontece é outra coisa muito simples: as pessoas vão menos ao médico ao fim-de-semana. Logo para começar, os centros de saúde estão fechados; e de certeza que já toda a gente passou um fim-de-semana doente em casa, a ver se melhorava, para Segunda-feira poder ir trabalhar. Segunda-feira não melhora — vai ao médico, faz o teste e dá positivo! Daí que olhar para o número de casos dia após dia e ficar contente porque a pandemia está sob controlo no Sábado não faz sentido algum…
Interessa muito mais saber qual é a tendência do aparecimento de novos casos, isto é, se está a crescer ou reduzir-se — porque, se está a reduzir-se, mesmo que seja actualmente muito alto, é um problema que está a resolver; enquanto que, se está a aumentar, mesmo que seja actualmente muito baixo, é um problema que aí vem — e interessa saber qual é a repercussão que esses novos casos estão a ter nos internamentos, nos cuidados intensivos e nos óbitos.
Portanto, para que não restem dúvidas, estamos no início da quarta onda. A boa notícia é que, com a vacinação dos grupos de risco e com o alargamento da vacinação a cada vez mais pessoas, é de esperar que números diários de novos casos bastante superiores aos que tivemos na terceira onda não se traduzam, como aconteceu nessa altura, numa pressão insuportável do sistema de saúde e no aumento indesejável do número de óbitos.
Mas isto não nos deve deixar tranquilos. Estamos, literalmente, numa corrida contra o tempo e é, mais do que nunca, essencial cumprir as recomendações da DGS, reduzir ao máximo todos os contactos que não sejam estritamente necessários e, com isso, ganhar o tempo de que precisamos para acabar de vacinar as pessoas e pôr tudo isto para trás. Porque também é verdade que muitas pessoas de baixo risco de complicações e morte entopem tanto os serviços de saúde como poucas pessoas de alto risco.